Este é o primeiro disco de um total de oito que compõem a coleção "Bahia Singular e Plural". Postarei o restante em breve. Abaixo, um reportagem sobre a coleção por Waldemar Pavan.
Bahia Singular e Plural é, até este momento, uma coleção de seis cd's que reúne 92 gemas musicais do folclore baiano, projeto que nasceu da união de forças empreendidas pelo Governo da Bahia, RE - Rádio Educadora, TVE Bahia, Fundação Cultural do Estado da Bahia e IRDEB - Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia e boa noticia: mais dois volumes estão previstos para serem lançados antes que o ano 2002 DC apague suas luzes.
Por mais que eu venha a escrever sobre a grandiosidade e ineditismo deste trabalho não cobrirei toda a gama de detalhes e significados que esta coleção traz contida - muito bem explicados nos encartes. De todos os trabalhos musicais a que tive acesso ou noticia este foi o que mais me impressionou e seguidamente a cada canção me surpreendeu favoravelmente em todos os aspectos.
A pesquisa e direção musical para a feitura destes trabalhos ocorreu pelo maestro e etnomusicólogo Fred Dantas, também responsável pela direção musical, gravação e transcrição das partituras dos CDs.
Todas as gravações foram empreendidas por vigoroso trabalho de campo, ou seja, uma gravadora móvel, de 8 canais de excelente qualidade técnica - foi deslocada para registrar vozes e instrumentos no local de origem da manifestação popular - cidades, povoados, vilas e roças - e o mais impressionante, além do ineditismo absoluto da empreitada, é a qualidade técnica do resultado dos registros gravados que não fica nada a dever para a qualidade das majors do disco.
Através da audição dos cd's você vai compreender de quais origens se derivaram toda a criatividade e genialidade da música contemporânea baiana, e também a brasileira, já que a Bahia é o berço musical do país segundo Luis Américo Lisboa Junior, pesquisador de história da música popular brasileira e que escreveu "Breve Histórico da Música Brasileira", texto para o encarte do cd "Sambas do Além", do qual destaco trecho:
"Nossa história musical começa em 1 de Janeiro de 1552, quando é nomeado o primeiro Bispo para a Bahia pela coroa portuguesa, D. Pero Fernandes Sardinha, que trouxe consigo um músico Mestre da Capela para ensinar tal disciplina aos alunos do Colégio dos Jesuítas. Mais adiante, Eusébio de Mattos, irmão de Gregório de Mattos, mais conhecido por Frei Eusébio da Soledade, nascido na Bahia em 1629, exímio tocador de harpa e viola, compondo hinos religiosos e profanos, tornou-se o responsável pela formulação das primeiras regras de ensino de música na Bahia".
Imagino que em 1629 o projeto do multi-instrumental, Frei Eusébio de Mattos, tenha sido de uma grande audácia por ser o frei em epigrafe, compositor também de temas profanos.
A conseqüência desta audácia musical veio a se refletir - quase quatro séculos depois - no acervo registrado na coleção Bahia Singular e Plural onde os temas sagrados se fundem aos profanos sem causar qualquer estranheza ao ouvinte.
A série é abundantemente matriarcal em gêneros e aspectos músicais: cantos de trabalho, cantos de influência africana, de miscegenação religiosa, sambas-de-roda, cirandas, sambas-rurais, louvores, cerimoniais, folias, reisados, cantigas de amor, poemas, lutas, choro, samba-brasileiro, cantos de lavagem, de vizinhos, chegança, parentes e colheita, a lista de manifestações é extensa e ainda falta muito a mapear musicalmente conforme você atestará graficamente no mapa dentro do site (calma que o apetitoso link informo depois, ainda não é hora, lê mais um pouquinho para não chegar na página do Irdeb marcando bobeira).
Os temas sagrados curiosamente e independente da crença de quem os ouvirá, também são peças bastantes agradáveis de se ouvir já que não se tratam de ladainhas de missais mas sim de resultado da fé genuína de uma gente que festeja intensamente suas crendices.
Já os temas profanos são multidiversificados e espelham toda a beleza, ingenuidade, graça e valores humanos legítimos da gente da Bahia, um banho de profunda e saudável brasilidade - sem esperteza e/ou malandragem, argh - e que nos remete a um Brasil que nós, os urbainóides, julgamos erroneamente inexistente.
O que, além da música, chama sobremaneira a atenção, são as formações comunitárias que as interpretam, grupos ou formações de habitantes locais que são constituídos por pessoas com idades variando entre 10 e 80 anos o que me faz acreditar que a tradição de transmissão oral e comunitária destes temas musicais felizmente tende a permanecer pela história das gerações futuras.
A tradição de pessoalmente transmitir músicas locais às gerações que chegam, para prosseguir cantando-nas comunitariamente, é um dos grandes espetáculos humanos proporcionados através da música, a reunião de pessoas com o objetivo de cantar trata-se de um dos mais belos triunfos das relações humanas.
O que é tudo de bom é que pela iniciativa conjunta de tantos empreendedores podemos também, outros brasileiros e estrangeiros , conhecer e principalmente desfrutar e se encantar com a pureza d'alma do povo nativo, e claro, também a pureza e delicadeza musical oriunda da arte de vida comunitária, é esse o tema a que se propõe e vai se configurando em êxito através da audição dos 92 registros musicais.
Outro aspecto que revela o esmero e denso cuidado de produção são as fichas técnicas e os encartes da coleção e aqui vale a pena comentar que esta coleção se apresenta em dois formatos: um mais resumido porém super satisfatório na abordagem informativa e que conta a origem de cada canção e de cada grupo, vindo encartada em caixas de cd's comuns e custam R$15 por volume, o outro é no formato formato cartão, e contém além da rica descrição da origem, as letras e a partitura custando neste formato R$ 25 cada volume.
O trabalho gráfico para qualquer um dos dois formatos é maravilhoso, digno de receber todos os melhores prêmios, os textos narrativos de origem também são deliciosamente escritos e aqui aproveito para acrescentar que a leitura dos textos de encarte é peça fundamental para a compreensão e plena aceitação dos temas populares.
Como curiosidade vou destacar dois aspectos bastante interessantes, o primeiro está contido no volume 1 da coleção e faz referência à musica Abre a Porta e a Janela, gravada pelo grupo Reis de Moças e foi gravada no Centro Educacional de Italmar, em Conceição do Coité diz o texto do encarte (trecho) :
"Os Ternos de Moças são expressão artística da classe média urbana do interior, que, até o passado recente, costumava fornecer aos grupos de reisado o melhor de sua juventude. Existe uniformidade neste estilo de música, de cidade a cidade: são marchinhas que se cantam andando ou à porta, sambinhas e, eventualmente, uma valsa no interior da casa. Os grupos, via de regra, solicitam o apoio de músicos da cidade. Essa música comunitária e participativa - que a maioria das cidades deixou perder - continua viva em Italmar, sob a liderança de Francisca de Almeida Pinho e com um coro de mulheres afinadas. A canção Abre a Porta e a Janela se situa no terreno confuso de autoria não determinada, pois é cantada em diversos locais com inúmeras variações. Sucesso de cantores sertanejos nos anos 60, na década seguinte foi tornada parte da célebre canção Preta Pretinha de Os Novos Baianos....".
A outra curiosidade é o violonista Boanerges Chaves, filho de Zeca Chaves, famoso seresteiro da cidade de Urbano de Caititi. Aprendeu a tocar na serestas, de ouvido, o incrivel é que na interpretação Chorinho Para Nós, Boanerges exibe idêntica pegada de corda de Luiz Bonfá, que beleza!
Vasculhei a rede e fisguei um artigo do colunista d'O Estado de São Paulo, Mauro Dias, datado de 9 de Janeiro de 2001 quando a coleção contava com apenas dois cd's editados, é um texto com informações complementares a este e serve para que você observe o quão são verdadeiramente infinitas as possibilidades a serem desvendadas por estes discos [...]
Waldemar Pavan
São Paulo, 17/9/2002
http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=731Bahia Singular e Plural é, até este momento, uma coleção de seis cd's que reúne 92 gemas musicais do folclore baiano, projeto que nasceu da união de forças empreendidas pelo Governo da Bahia, RE - Rádio Educadora, TVE Bahia, Fundação Cultural do Estado da Bahia e IRDEB - Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia e boa noticia: mais dois volumes estão previstos para serem lançados antes que o ano 2002 DC apague suas luzes.
Por mais que eu venha a escrever sobre a grandiosidade e ineditismo deste trabalho não cobrirei toda a gama de detalhes e significados que esta coleção traz contida - muito bem explicados nos encartes. De todos os trabalhos musicais a que tive acesso ou noticia este foi o que mais me impressionou e seguidamente a cada canção me surpreendeu favoravelmente em todos os aspectos.
A pesquisa e direção musical para a feitura destes trabalhos ocorreu pelo maestro e etnomusicólogo Fred Dantas, também responsável pela direção musical, gravação e transcrição das partituras dos CDs.
Todas as gravações foram empreendidas por vigoroso trabalho de campo, ou seja, uma gravadora móvel, de 8 canais de excelente qualidade técnica - foi deslocada para registrar vozes e instrumentos no local de origem da manifestação popular - cidades, povoados, vilas e roças - e o mais impressionante, além do ineditismo absoluto da empreitada, é a qualidade técnica do resultado dos registros gravados que não fica nada a dever para a qualidade das majors do disco.
Através da audição dos cd's você vai compreender de quais origens se derivaram toda a criatividade e genialidade da música contemporânea baiana, e também a brasileira, já que a Bahia é o berço musical do país segundo Luis Américo Lisboa Junior, pesquisador de história da música popular brasileira e que escreveu "Breve Histórico da Música Brasileira", texto para o encarte do cd "Sambas do Além", do qual destaco trecho:
"Nossa história musical começa em 1 de Janeiro de 1552, quando é nomeado o primeiro Bispo para a Bahia pela coroa portuguesa, D. Pero Fernandes Sardinha, que trouxe consigo um músico Mestre da Capela para ensinar tal disciplina aos alunos do Colégio dos Jesuítas. Mais adiante, Eusébio de Mattos, irmão de Gregório de Mattos, mais conhecido por Frei Eusébio da Soledade, nascido na Bahia em 1629, exímio tocador de harpa e viola, compondo hinos religiosos e profanos, tornou-se o responsável pela formulação das primeiras regras de ensino de música na Bahia".
Imagino que em 1629 o projeto do multi-instrumental, Frei Eusébio de Mattos, tenha sido de uma grande audácia por ser o frei em epigrafe, compositor também de temas profanos.
A conseqüência desta audácia musical veio a se refletir - quase quatro séculos depois - no acervo registrado na coleção Bahia Singular e Plural onde os temas sagrados se fundem aos profanos sem causar qualquer estranheza ao ouvinte.
A série é abundantemente matriarcal em gêneros e aspectos músicais: cantos de trabalho, cantos de influência africana, de miscegenação religiosa, sambas-de-roda, cirandas, sambas-rurais, louvores, cerimoniais, folias, reisados, cantigas de amor, poemas, lutas, choro, samba-brasileiro, cantos de lavagem, de vizinhos, chegança, parentes e colheita, a lista de manifestações é extensa e ainda falta muito a mapear musicalmente conforme você atestará graficamente no mapa dentro do site (calma que o apetitoso link informo depois, ainda não é hora, lê mais um pouquinho para não chegar na página do Irdeb marcando bobeira).
Os temas sagrados curiosamente e independente da crença de quem os ouvirá, também são peças bastantes agradáveis de se ouvir já que não se tratam de ladainhas de missais mas sim de resultado da fé genuína de uma gente que festeja intensamente suas crendices.
Já os temas profanos são multidiversificados e espelham toda a beleza, ingenuidade, graça e valores humanos legítimos da gente da Bahia, um banho de profunda e saudável brasilidade - sem esperteza e/ou malandragem, argh - e que nos remete a um Brasil que nós, os urbainóides, julgamos erroneamente inexistente.
O que, além da música, chama sobremaneira a atenção, são as formações comunitárias que as interpretam, grupos ou formações de habitantes locais que são constituídos por pessoas com idades variando entre 10 e 80 anos o que me faz acreditar que a tradição de transmissão oral e comunitária destes temas musicais felizmente tende a permanecer pela história das gerações futuras.
A tradição de pessoalmente transmitir músicas locais às gerações que chegam, para prosseguir cantando-nas comunitariamente, é um dos grandes espetáculos humanos proporcionados através da música, a reunião de pessoas com o objetivo de cantar trata-se de um dos mais belos triunfos das relações humanas.
O que é tudo de bom é que pela iniciativa conjunta de tantos empreendedores podemos também, outros brasileiros e estrangeiros , conhecer e principalmente desfrutar e se encantar com a pureza d'alma do povo nativo, e claro, também a pureza e delicadeza musical oriunda da arte de vida comunitária, é esse o tema a que se propõe e vai se configurando em êxito através da audição dos 92 registros musicais.
Outro aspecto que revela o esmero e denso cuidado de produção são as fichas técnicas e os encartes da coleção e aqui vale a pena comentar que esta coleção se apresenta em dois formatos: um mais resumido porém super satisfatório na abordagem informativa e que conta a origem de cada canção e de cada grupo, vindo encartada em caixas de cd's comuns e custam R$15 por volume, o outro é no formato formato cartão, e contém além da rica descrição da origem, as letras e a partitura custando neste formato R$ 25 cada volume.
O trabalho gráfico para qualquer um dos dois formatos é maravilhoso, digno de receber todos os melhores prêmios, os textos narrativos de origem também são deliciosamente escritos e aqui aproveito para acrescentar que a leitura dos textos de encarte é peça fundamental para a compreensão e plena aceitação dos temas populares.
Como curiosidade vou destacar dois aspectos bastante interessantes, o primeiro está contido no volume 1 da coleção e faz referência à musica Abre a Porta e a Janela, gravada pelo grupo Reis de Moças e foi gravada no Centro Educacional de Italmar, em Conceição do Coité diz o texto do encarte (trecho) :
"Os Ternos de Moças são expressão artística da classe média urbana do interior, que, até o passado recente, costumava fornecer aos grupos de reisado o melhor de sua juventude. Existe uniformidade neste estilo de música, de cidade a cidade: são marchinhas que se cantam andando ou à porta, sambinhas e, eventualmente, uma valsa no interior da casa. Os grupos, via de regra, solicitam o apoio de músicos da cidade. Essa música comunitária e participativa - que a maioria das cidades deixou perder - continua viva em Italmar, sob a liderança de Francisca de Almeida Pinho e com um coro de mulheres afinadas. A canção Abre a Porta e a Janela se situa no terreno confuso de autoria não determinada, pois é cantada em diversos locais com inúmeras variações. Sucesso de cantores sertanejos nos anos 60, na década seguinte foi tornada parte da célebre canção Preta Pretinha de Os Novos Baianos....".
A outra curiosidade é o violonista Boanerges Chaves, filho de Zeca Chaves, famoso seresteiro da cidade de Urbano de Caititi. Aprendeu a tocar na serestas, de ouvido, o incrivel é que na interpretação Chorinho Para Nós, Boanerges exibe idêntica pegada de corda de Luiz Bonfá, que beleza!
Vasculhei a rede e fisguei um artigo do colunista d'O Estado de São Paulo, Mauro Dias, datado de 9 de Janeiro de 2001 quando a coleção contava com apenas dois cd's editados, é um texto com informações complementares a este e serve para que você observe o quão são verdadeiramente infinitas as possibilidades a serem desvendadas por estes discos [...]
Waldemar Pavan
São Paulo, 17/9/2002
Faixas:
01 saída das ciganas: terno das ciganas
02 reis da lapinha: reis estrela da guia
03 forró apimentado: armandinho sanfoneiro
04 lindro amor: lindro amor
05 cativeiro de iaiá e even o nego, paturi: nego fugido
06 qué que sapo quer, apolo nego fugido
07 abre a porta ou a janela: reis de moças
08 o tamborete furado (poema matuto): zé santana
09 iúna: orquestra de berimbaus do terreiro ilê axé apó afonjá
10 benção de cura: valdemar valdivino
11 mucutum zê zê: grupo de mucutum zê zê
12 cantos da lavagem: grupo da lavagem de n. s. da purificação
13 tributo do samba rural: antônio queiróz
14 ô marinheiro: reis istrela incantada
15 despedida: samba brasileiro de cassimiro
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3 comentários:
Muito obrigada for all the wonderful recordings of folkloric music - also for the cordeis!
I know it is not easy to find this material in Brazil, let alone outside of the country.
Abraços from the EUA,
Spinning
It is very nice to know the blog reachs foreigns lands. Thanks for comment.
Ernestaldo
Agradeço muito pela postagem desta coleção incrível. Entretanto, os volumes 1, 5, 6 7 e 8 estão com os links não mais funcionando (somente 2, 3 e 4 estão ok). Teria como colocar links válidos para baixar os demais? Muito obrigado e parabéns pelo blog! Abs
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