A Vila de Patos, na Paraíba, teria sido o local da peleja entre Ignacio da Catingueira e Romano da Mãe d'Água ocorrida em 1870. Dizem que esta foi a peleja fundadora de todas as pelejas.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

O Calor do Tambor-de-crioula do Maranhão, vol. 1: Mestre Chico

Inicio a postagem de "O Calor do Tambor-de-crioula do Maranhão", uma coleção de três cds e um dvd, até onde sei invendável, feita pelo governo do Maranhão. Espero que gostem.


Tambor de crioula
de Domingos Vieira Filho
Entre as danças folclóricas ocorrentes no Maranhão inclui-se o tambor de crioula como das mais populares e largamente disseminadas. O tambor de crioula é sem dúvida uma dança que nos veio no bojo da escravidão negro-africana e não tem nenhuma conotação ritual. É um simples batuque, caracterizado, do ponto de vista coreográfico, pela umbigada que entre nós tem a designação de punga. A umbigada, sabe-se, é uma constante em inúmeras outras danças de origem africana. Assim, por não ser ritual, o tambor de crioula não tem época certa para ser brincado. Nos tempos da escravidão era no Maranhão o folguedo predileto dos negros. Nos dias consagrados a São Sebastião, Santo Antônio, São Pedro, São Jorge, São Benedito, Santa Bárbara, Santa Luzia e Nossa Senhora do Rosário, ao lado do tambor de mina os negros maranhenses dançavam o seu batuque preferido, o tambor de crioula lascivo, sensual, perturbador. Mário de Andrade, em Música de feitiçaria no Brasil, incorre num lapso ao escrever: "Outro caso ainda mais idêntico ao de macumba, é existirem no Maranhãoduas formas intecorrentes de feitiçaria, intituladas tambô de mina e tambô de criôlo. A diferença básica entre ambos é a influência primordial africana que se encontra no tambor de mina, ao passo que no de crioulo os textos já são sempre em língua nacional". Essa asertiva do grande mestre paulista não procede. O tambor de crioula no Maranhão é simples dança para se divertir, sem a menor pertinência ou ligação com a religiosidade do negro maranhense e seus descendentes. Talvez a confusão tenha se originado do fato, referido por Mário de Andrade, de tanto numa como noutra ocorrência os negros usarem um trio de tambores como fundo musical, para marcar o ritmo. Se no tambor de mina os atabaques têm uma função evidentemente mágica, como em geral na chamada música de feitiçaria, pela força hipnótica que o tam-tam surdo produz, num processo emoliente da vontade perfeitamente compreensível, no tambor de crioula os tambores servem para conduzir o ritmo, afirmar a cadência, embora penetrem por igual as fibras do ser no despertar do sensualismo brabo que caracteriza essa dança, extremamente voluptuosa. O poeta maranhense Trajano Galvão de Carvalho, precursor da poesia afro-brasileira, dono de fazenda no vale do Mearim, conviveu com abundante escravaria e viu dançar muitas vezes o tambor de crioula ou de punga, talvez, quem sabe, se deliciando com os meneios febricitantes, os dengues e requebros lascivos das crioulas esbeltas, faceiras, de formas opulentas, coleando lubricamente os quadris por entre o baticum surdo, cadenciado, excitante dos tambores, sob o olhar cúpido dos sinhôs brancos. No belo poema A crioula, cantou o poeta: Ao tambor, quando saio da pinhaDas cativas, e danço gentilSou senhora, sou rainhaNão cativa — de escravos a milCom requebros a todos assombroVoam lenços, ocultam-me o ombroEntre palmas, aplausos, furor...Mas se alguém ousa dar-me uma pungaO feitor de ciúmes resmungaPega a taca, desmancha o tambor No tambor de crioula intervém como instrumental de acompanhamento três tambores, feitos de troncos escavados a fogo, geralmente de mangue-vermelho (rhizophora mangle): o tambor grande ou socador, o médio ou crivador e o pequeno, chamado pererenga ou quirerê. O do meio às vezes é denominado de meão. O tambor de crioula é dançado de forma individual, postoos dançarinos façam uma roda. Começada a função, com o bater cadenciado dos tambores, num crescendo bem sincopado, destaca-se da roda uma brincante sapateando e sariricando o corpo em requebros voluptuosos, buscando, ato contínuo, a companheira mais próxima para aplicar-lhe a punga ou umbigada, que é um gesto lascivo de prolação do abdômen, dado com o propósito de derrubar a parceira. A crioula que levou a punga entra a seu turno na dança e, ao cabo de algum tempo, repete o gesto da umbigada em outra companheira, assim ocorrendo com todas as que integram a função. Às vezes quem leva uma punga violenta é um desprevenido espectador que acompanha com interesse o movimentado batuque. Os cantos do tambor de crioula constam quase sempre de um estribilho que os brincantes remoem. Hoje, a punga clássica vai sendo aplicada, não com a prolação da barriga, mas com a das nádegas. E entre os cantos é tradicional o denominado de Beirou beira-mar. A área geográfica de ocorrência do tambor de crioula é extensa e a brincadeira persiste viva, dinâmica em mais de trinta municípios maranhenses, do litoral ao sertão. Os tocadores de tambor nessa dança sensual percutem-no com as mãos. Cavalgando os tambores, extraem do rústico instrumento notáveis combinações rítmicas. A afinação dos tambores é feita ao calor de uma fogueira de gravetos que distende a pele de revestimento das bocas. Eis por que se costuma dizer que, no Maranhão, o tambor de crioula é afinado a fogo, tocado a murro e dançando a coice. (Vieira Filho, Domingos. Folclore brasileiro: Maranhão. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura / Fundação Nacional de Arte, 1977, p.20-21) [FONTE: Jangada Brasil]



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